quinta-feira, 24 de março de 2011

“A arte como legitimação dos direitos”, propõe Carmela Grüne

A advogada e mestranda em Direitos Sociais e Políticas Públicas, Carmela Grüne realiza diversos eventos no Estado para promover a popularização do Direito
Jessica Gustafson, especial para o JC

FREDY VIEIRA/JC










A cultura popular é uma forma de conhecer a identidade democrática do povo, acredita ela  Como editora do Jornal Estado de Direito, apresenta o Papo Jurídico no shopping Praia de Belas, que convida especialistas para conversarem sobre diversos aspectos da doutrina, além de novos projetos como o Samba no Pé e Direito na Cabeça, que mistura as letras de samba com a interpretação jurídica. Carmela também foi uma das palestrantes no recente debate sobre o futuro dos direitos humanos, na Feevale. Em entrevista ao Jornal do Comércio, ela relatou um pouco de como foi o evento e os principais temas do panorama dos direitos humanos atuais, além dos seus projetos para democratizar o Direito.

Jornal do Comércio – Quais os principais debates que ocorreram no evento sobre futuro dos direitos humanos?
Carmela Grüne – O evento foi muito legal, com um público bem expressivo da região de Novo Hamburgo. Os principais momentos foram o do Alexandre Coutinho Plagliarini, que veio de Curitiba, e colocou dois pontos principais para o futuro dos direitos humanos. O primeiro foi se Corte Internacional de Justiça pode processar a pessoa humana por crimes contra a humanidade, principalmente em relação a estes acontecimentos recentes na Líbia e no Egito. Outro ponto foi sobre a democratização da Organização das Nações Unidas (ONU), porque na opinião dele é necessário ter duas casas, uma para os estados e outra para a população. A população, mesmo que seja um número expressivo, precisa participar da evolução do Direito Constitucional. Já o Johannes Van Aggelen, holandês que trabalhou 30 anos na ONU, falou que o Brasil está de parabéns pelo cumprimento das metas estabelecidas internacionalmente, em relação aos direitos humanos. Aggelen também abordou o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, no qual elogiou muito. Segundo ele, o grande desafio é que o ensino dos direitos humanos seja dado para os servidores públicos e para a população.  Isto para que não exista mais crimes como os do Rio de Janeiro de tontura não oficializada. Essa educação deve ser dada também na escola, para os pequenos. Por fim, o Bruno Miragem, representando o Estado, falou sobre a evolução dos direitos humanos no País, a partir da Constituição de1988, e os instrumentos para efetivar esses direitos e a liberdade de expressão.
JC – A sua palestra foi sobre a identidade democrática brasileira pela carnavalização dos direitos humanos. O que isto significa?
Carmela – Isso quer dizer que para a gente poder ter um reconhecimento da sociedade por aquilo que o legislador produz é preciso que o Direito seja identificado na cultura popular. Nós não podemos deixar de considerar as raízes do povo brasileiro. Hoje se tem toda uma busca por outras culturas, uma importação dos direitos de outros países. Isso, sem considerar a questão dos indígenas, dos quilombos, que fazem o Brasil ter uma grande miscigenação. Essa é a forma de se conhecer essa identidade democrática, a partir da cultura popular, como é a manifestação do samba, porque o samba está relacionado a participação espontânea da sociedade. Então, o direito precisa conseguir ser compreendido e aprendido de uma maneira positiva e não repressiva ou negativa. Precisamos modificar essa realidade, mesmo sabendo que vai haver o conflito, tem que se tentar quebrar esse paradigma de querer somente aceitar o que é de fora. O rap é uma forma de manifestação, o funk também retrata uma realidade que não é perfeita. Por isso que se utiliza essa porta da cultura popular para falar de um tema importante.
JC – Existe um trabalho que a senhora realiza na Usina do Gasômetro chamado Samba no Pé e Direito na Cabeça. Esta também é uma das propostas para popularizar mais o Direito?
Carmela – Nós justamente trabalhamos a popularização do Direito através da arte. Essa é uma parceira entre o Jornal Estado de Direito, da Associação dos Jurados de Carnaval e Eventos Populares do Rio Grande do Sul e da Usina do Gasômetro. Então, todo o mês, na sala de cinema, acontece uma atividade que mistura música e debate. Através da interpretação das letras, envolvemos o Direito. Na edição passada, debatemos a música interpretada pela Alcione chamada Maria da Penha, no qual tratamos se os homens não são excluídos, se é uma questão de gênero ou da pessoa humana; falamos também da música Saudosa Maloca, do Adoniran Barbosa, que remeteu ao direito à moradia e do nascimento das favelas; e por último da música A Humanidade, da Império Serrano, que aborda a questão da desigualdade social no Brasil.
JC – O que poderia ser feito efetivamente para conseguir esta identidade brasileira em relação aos direitos?
Carmela – A gente não tem respostas, mas estamos tentando procurar caminhos para fazer com que o povo se sinta inserido nesta cultura de conhecer os seus direitos. A população não se preocupa com isso porque não tem nenhum atrativo. Mais importante do que mostrar os julgamentos nos tribunais é cultivar o direito que nós queremos, porque não é a judicialização de conflitos que vai fazer as pessoas se desenvolverem intelectualmente para ter uma cidadania, o que se precisa é fazer com que a população tenha voz para ser protagonista, para ter interesse na gestão coletiva. Eu acredito que seja um dos caminhos trabalhar a arte como legitimação dos direitos. O futuro dos direitos humanos depende também da identidade democrática do povo brasileiro. Outro projeto que estamos realizando é o Direito no Cárcere, dentro do presídio, que busca melhorar a auto-estima do preso, tentando também a implantação de um núcleo de práticas jurídicas ali dentro.
JC – Como tu enxergas a democracia brasileira hoje?
Carmela – A democracia brasileira tem seus instrumentos de participação, que a Constituição de 1988 trouxe, e que foi se consolidando depois do Regime Militar, e eu acredito que nós já temos boas experiências de democracia deliberativa, no qual se discute a busca pelo bem comum. Porém, ainda é necessária uma grande caminhada para que se consiga enxergar isso pelo funk, pelo rap, pelo samba, que são expressões da cultura nacional e onde está a cidadania amplificada. A democracia também precisa reconhecer esta mensagem que eles estão transmitindo. E isto é Direito sim.

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